
CLT ou PJ, eis a questão: quais as diferenças entre os regimes de trabalho?
Nas redes sociais, CLT é alvo de críticas dos mais jovens; na Justiça, contratados como PJ querem ser vínculo celetista
Por Ana Clara Veloso — Rio de Janeiro
01/05/2025 05h00 Atualizado há 2 horas
A carteira assinada não é mais a única forma de entrar no mercado profissional. Em conteúdos publicados nas redes sociais, é possível observar que, principalmente entre os mais jovens, o regime de contratação pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) virou alvo de críticas. E a pejotização é apontada como uma opção melhor para os trabalhadores, visto que as remunerações geralmente são mais altas, à primeira vista, e não há descontos obrigatórios em folha.
Nos tribunais, no entanto, a repercussão é inversa. Contratados como PJ têm alegado em processos constantes que suas relações de trabalho com as empresas são estáveis e que, por isso, precisam ser reconhecidas como vínculo trabalhista, e não apenas como a prestação de serviços. Dessa forma, as ações solicitam os pagamentos conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Por conta da polêmica judicial, neste mês, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão de todos os processos do país que tratam da validade da chamada “pejotização”, quando o trabalhador atua com uma pessoa jurídica (PJ) para prestar serviço a uma empresa. O objetivo é uniformizar o entendimento sobre o tema, que tem gerado uma série de ações judiciais.
O advogado Marcel Zangiácomo destaca que, enquanto a decisão não é tomada, as empresas ainda podem contratar PJs, desde que a relação jurídica não apresente os elementos típicos de um vínculo empregatício.
– A contratação como PJ não pode ser usada como fachada para encobrir uma relação de trabalho que, na prática, segue os moldes da CLT. Ou seja, não se pode utilizar a pejotização para fraudar direitos trabalhistas previstos na legislação – explica Marcel.
Os critérios definidos pela legislação trabalhista para caracterizar um vínculo de emprego conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) são:
- Subordinação: ocorre quando o trabalhador está sujeito às ordens do empregador, ou seja, precisa seguir regras, horários, metas e instruções de como realizar o trabalho. Ele não tem autonomia sobre o que faz ou como faz.
- Habitualidade: é a prestação contínua e frequente dos serviços, e não esporádica. Se a pessoa trabalha todos os dias ou com regularidade, como se fosse um funcionário fixo, há habitualidade.
- Pessoalidade: significa que o trabalho é feito pela própria pessoa contratada, e não pode ser repassado a terceiros. O contratante exige que seja aquele profissional, e não qualquer outro, a realizar a tarefa.
Onerosidade: é a existência de pagamento de salário em troca do serviço prestado. Diferente do que acontece com o PJ, que recebe uma remuneração pelo serviço prestado.
A discussão sobre o tema ainda não tem um prazo definido para julgamento no plenário. Embora não haja uma resposta, o advogado Marcel orienta as empresas a terem cautela com os riscos envolvidos nesse tipo de contratação:
– É fundamental que revisem os contratos e as estruturas de prestação de serviços, a fim de mitigar possíveis riscos, já que o entendimento do STF pode alterar substancialmente o cenário atual.
Mas afinal, quando vale a pena ser PJ ou CLT?
Segundo o advogado Ricardo Freire, as remunerações de contrato PJ são realmente maiores à primeira vista. Isso porque o pagamento por meio de uma Nota Fiscal tem um custo bem menor para os empregadores do que o pagamento de um salário para o empregado CLT. Estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV) revela, como efeito disso, que os cofres públicos deixaram de arrecadar até R$ 144 bilhões entre 2018 e 2023.
Para o empregado, também há redução drástica do Imposto de Renda pago neste modelo. Mas os salários até R$ 6 mil não representam custo significativo neste sentido. Freire avalia que a compensação em ser PJ, do ponto de vista fiscal, ocorre em salários a partir de R$ 10 mil. E desde que bem-negociados. A comparação de valores recebidos por CLT e PJ não é justa se feita de forma simplificada, já que o PJ deixa de receber direitos trabalhistas como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), 13º salário, férias e abono de 1/3 de férias.
Como precificar o serviço PJ?
Em média, os especialistas calculam que o PJ deve receber de 25% a 30% mais do que o CLT para ter os mesmos ganhos. A fórmula mais simplificada para a negociação de uma remuneração como PJ seria embutir os direitos trabalhistas garantidos na CLT e incorporar no valor da nota fiscal: FGTS – 8%; férias – 8,33%; 13º salário – 8,33%; 1/3 de férias – 2,78; algo entre 25% e 30%.
Há ainda outros benefícios que não são obrigatórios por lei, mas diversas empresas oferecem, acrescenta o advogado Gustavo Akira Sato. São os casos de vale-alimentação, gympass, convênio médico, bonificações anuais e auxílio-creche. Por isso, para uma comparação mais exata, pode ser necessário consultar um advogado e um contador.
- Ricardo Christophe da Rocha Freire é sócio da área de Direito do Trabalho do escritório Gasparini, Barbosa e Freire Advogados.
- Gustavo Akira Sato é advogado trabalhista do Eichenberg, Lobato, Abreu & Advogados Associados.
- Marcel Zangiácomo, especialista em Direito Processual e Material do Trabalho do escritório Galvão Villani, Navarro, Zangiácomo e Bardella Advogados.
- CLT – A Carteira de Trabalho.
- PJ – Abrir uma empresa (MEI ou ME) para realizar a emissão de notas fiscais.
- CLT – O trabalhador sofre descontos na folha, podendo o percentual variar de acordo com a base salarial. O INSS, de 7,5% a 14%. O Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) pode chegar a 27,5%.
- PJ – A carga tributária irá depender do regime escolhido. O MEI tem recolhimento mensal de R$ 75,90 em 2025, com o acréscimo de ISS e ICMS a depender da atividade explorada. E tem limite de faturamento em R$ 81 mil, ou seja, R$ 6.750 ao mês. O ME faz parte do Simples Nacional, que tem imposto único, entre 4% a 33% do faturamento.
- CLT – A remuneração do CLT, via de regra, é definida pelo empregador. O salário “bruto” tem descontos legalmente previstos, tais como: Imposto de Renda, recolhimento ao INSS, percentual de vale-transporte e outros. Mas fazem parte dos direitos trabalhistas: Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), 13º salário, férias remuneradas com o acréscimo de 1/3.
- PJ – O PJ possui maior liberdade de negociação de sua remuneração e não tem descontos diretos no valor mensalmente percebido. Mas não tem direitos trabalhistas — como FGTS, 13º salário, férias e abono de 1/3 de férias — nem recolhimento previdenciário.
- CLT – A contribuição ao INSS é obrigatória e de acordo com a faixa salarial. A empresa ainda pode oferecer como benefício a complementação por meio de previdência privada.
- PJ – A contribuição ao INSS é facultativa. Mas parte da taxa mensal do MEI é destinada ao INSS, garantindo benefícios no valor de um salário mínimo.
- CLT – A carga horária máxima permitida em lei é de 44 horas semanais. Via de regra, a jornada é previamente estabelecida pelo empregador, e o funcionário deve fazer o registro em cartão de ponto. Por outro lado, o empregado tem direito ao recebimento de eventuais horas extras realizadas ou sua compensação com folgas.
- PJ – A pessoa jurídica não pode ter carga horária pré-estabelecida nem qualquer tipo de controle de jornada, visto que não há relação de subordinação com o empregador. Por outro lado, não tem direito ao recebimento de horas extras nem compensação com folgas.
- CLT – Depende da norma coletiva. Mas é muito comum ser obrigatório, dependendo da atividade econômica.
- PJ – Pode ser concedido ou não. Mas a pessoa jurídica pode contratar convênio médicos empresarial.
- CLT – O empregado faz jus ao vale-transporte e aos direitos coletivos previstos em acordos de categoria, como vale-refeição, cesta básica, plano de saúde, entre outros.
- PJ – Fica a critério das partes.
- CLT – Existem estabilidades garantidas em lei, como acidentária, gestacional ou quando o trabalhador ocupa cargo de dirigente sindical. Os acordos de categoria podem prever ainda estabilidade após auxílio-doença e pré-aposentadoria, por exemplo. Além disso, o fato de haver obrigações por parte do empregador quando ocorre uma rescisão contratual evita demissões sumárias.
- PJ – Não há obrigatoriedade de estabilidade. Fica a critério das partes incluir alguma previsão no contrato, como por exemplo, licença-maternidade.
- CLT – Na rescisão do contrato sem justa causa, o trabalhador tem direito ao pagamento de aviso prévio, 13º salário proporcional, férias vencidas e proporcionais, multa rescisória de 40% sobre o FGTS recolhido pelo patrão durante o contrato de trabalho (no caso de demissão sem justa causa), além de seguro-desemprego em muitos casos.
- PJ – Na rescisão contratual, terá direito ao valor do serviço prestado até a data da rescisão e, eventualmente, o direito ao pagamento de uma multa contratual.
- CLT – É comum haver níveis hierárquicos em uma empresa e, de forma geral, o funcionário tem maiores perspectivas de crescimento dessa forma.
- PJ – Por ser um prestador de serviços, o PJ não se encontra, muitas vezes, dentro do organograma da empresa e as perspectivas de crescimento não são claras. Mas a possibilidade de prestar serviços para mais de uma empresa pode trazer oportunidades de networking e crescimento profissional.
Publicado em Extra