
Colapso da confiança na Justiça do Trabalho em virtude da advocacia predatória
A atuação no campo do Direito do Trabalho exige, além do domínio técnico, um compromisso ético com a correta utilização dos meios judiciais e com a responsabilidade social da advocacia, especialmente em demandas que envolvam trabalhadores em condição de hipossuficiência. Nesse contexto, tem chamado atenção o avanço de práticas que vêm sendo associadas à chamada advocacia predatória, condutas marcadas pela judicialização excessiva e pouco criteriosa, muitas vezes impulsionada por abordagens padronizadas, sem a devida análise individualizada da situação jurídica envolvida.
Nos fóruns trabalhistas de diversas regiões do país, é possível observar a consolidação de um cenário preocupante, em que escritórios ou profissionais operam como verdadeiras “feiras de causas”. Trabalhadores são abordados nos arredores de varas e fóruns, convencidos por promessas irreais de indenizações vultosas e estimulados ao ajuizamento de ações com pedidos padronizados, genéricos e frequentemente desconectados da realidade contratual vivenciada. Tal conduta, além de afrontar o Código de Ética da Advocacia, compromete diretamente a credibilidade do sistema judicial e a efetividade da tutela jurisdicional.
Com a promulgação da reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017), o ajuizamento irresponsável de ações tornou-se ainda mais temerário para o trabalhador. A nova legislação alterou significativamente os critérios para concessão da justiça gratuita e instituiu a possibilidade de condenação do autor ao pagamento de custas processuais e honorários de sucumbência, inclusive em caso de gratuidade indeferida ou parcial. Diante disso, ações infundadas ou movidas por má orientação jurídica podem resultar em ônus financeiros severos para aquele que, em tese, buscava reparação de direitos violados.
Improcedência
Dados do Tribunal Superior do Trabalho apontam que, apenas no ano de 2023, mais de 35% das reclamações trabalhistas foram julgadas totalmente improcedentes, evidenciando não apenas o endurecimento da jurisprudência após a reforma, mas também a fragilidade técnica de muitas das ações ajuizadas. Em paralelo, o aumento dos pedidos de justiça gratuita indeferidos ou parcialmente concedidos gerou um crescimento expressivo nas execuções de custas e honorários contra reclamantes.
Esse fenômeno se insere em um contexto nacional de judicialização excessiva, que extrapola a esfera trabalhista. Em 2024, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luís Roberto Barroso, declarou que o país enfrenta uma verdadeira “epidemia de judicialização”, com mais de 93 milhões de processos em trâmite. Esse volume evidencia não apenas a cultura do litígio, mas também a sobrecarga do sistema, impactando diretamente sua capacidade de oferecer respostas céleres e eficazes.
Além disso, o crescimento de demandas tem provocado pressões internas no Poder Judiciário, especialmente no STF, que vem sendo criticado pela recorrência de decisões monocráticas e pela centralização excessiva de temas relevantes. Como resposta, a Corte passou a priorizar decisões colegiadas, que aumentaram 29% em 2024, buscando oferecer maior legitimidade e estabilidade às suas deliberações. Ainda assim, o desequilíbrio entre a demanda judicial e a capacidade institucional permanece como um desafio nacional, cuja raiz, muitas vezes, encontra eco em práticas advocatícias irresponsáveis.
Nesse cenário, impõe-se uma reflexão urgente sobre o papel do advogado na mediação entre o cidadão e o Poder Judiciário. A confiança depositada no profissional do Direito deve ser retribuída com transparência, responsabilidade e prudência, jamais com práticas oportunistas que colocam em risco a segurança jurídica e, sobretudo, a dignidade de quem já se encontra em situação de desigualdade.
É dever da advocacia zelar pela efetividade da justiça, mas também pela consciência processual do seu cliente, informando-o com clareza quanto à viabilidade da demanda, aos riscos envolvidos e às possíveis consequências financeiras. Ignorar essa responsabilidade em nome de uma estatística inflada de processos ajuizados é não apenas antiético, mas socialmente irresponsável.
A valorização da advocacia técnica, fundamentada e ética é o único caminho possível para a construção de uma Justiça do Trabalho mais equilibrada, eficiente e verdadeiramente voltada à pacificação social.
Publicado em Conjur