TRT2 considera válida norma que limita cota de aprendizes em empresas de vigilância

TRT2 considera válida norma que limita cota de aprendizes em empresas de vigilância
Tribunal rejeitou pedido do MPT, em uma ação civil pública, para condenar uma empresa do setor ao pagamento de danos morais coletivos

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT2) considerou válida uma norma coletiva que prevê que empresas de vigilância podem limitar a base de cálculo da cota legal de aprendizes ao setor administrativo. Com esse entendimento, rejeitou pedido do Ministério Público do Trabalho (MPT), em uma ação civil pública, para condenar uma empresa do setor, a Fort Knox, ao pagamento de danos morais coletivos, por não ter incluído a função de vigilante no cálculo.

A 13ª Turma do TRT foi unânime ao fundamentar a validade da norma coletiva com base na prevalência do negociado sobre o legislado, conceito inserido pela Lei da Reforma Trabalhista (13.467/2017), no artigo 611-A/B da CLT, e referendado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Tema 1.046 de repercussão geral.

Além disso, as especificidades da categoria foram determinantes para a conclusão. No acórdão, os desembargadores ressaltaram que para o exercício da função de vigilante é necessário ter no mínimo 21 anos, de acordo com a Lei 7.102/1983, e que o Estatuto do Desarmamento proíbe o porte de arma de fogo por menores de 25 anos (artigo 28 e 6º da Lei 10.826/2003). Acrescentaram que a função envolve “risco eminente e perigoso”, tanto que os profissionais que a exercem têm direito ao recebimento de adicional de periculosidade.

“Assim não pode o julgador adotar outro posicionamento senão o de validar a norma coletiva firmada entre as partes. Afinal, a autocomposição normalmente representa uma fórmula mais democrática de solução das controvérsias na medida em que propicia uma melhor acomodação das peculiaridades a que estão sujeitas as relações de trabalho entre as partes envolvidas que participam diretamente do processo de negociação”, afirmaram.

Os desembargadores também pontuaram que a prova oral apresentada em audiência corroborou a tese de que, devido às especificidades da função de vigilante, é necessário adequar a cota de aprendizagem.

Segundo os autos, a testemunha, um ex-funcionário da Fort Knox, afirmou que o Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), uma das instituições responsáveis pelo Programa Jovem Aprendiz, não permitia a formalização dos contratos devido a função ser de risco e que a empresa tinha funcionários com idade de aprendiz (até 24 anos) em funções administrativas (RH, financeiro e tecnologia). Também disse que no período em que laborou no local havia mais de 2 mil funcionários na companhia, sendo a maioria vigilantes – a exceção de 115 que não exerciam a função e cerca de 27 que eram aprendizes. Observou ainda que nos anos seguintes, devido uma mudança no controle da empresa, o número de funcionários que não eram vigilantes diminuiu.

Com base nesse entendimento, a 13ª Turma do TRT2 negou recurso do MPT e manteve decisão da 3ª Vara do Trabalho de São Paulo, que considerou improcedente o pedido da entidade. O MPT interpôs embargos que estão pautados para julgamento no próximo dia 10 de julho. (Processo nº 1000897-54.2023.5.02.0703)

TST em sentido contrário e análise no STF
Ao analisar normas coletivas semelhantes mas fixadas por sindicatos de empresas de transportes de valores, a Seção de Dissídios Coletivos (SDC), do Tribunal Superior do Trabalho (TST), adotou entendimento oposto ao do TRT2, em julgamentos realizados no início deste ano.

Nas ocasiões, o colegiado entendeu que as normas eram inválidas porque tratavam de direitos difusos, já que envolviam o direito de terceiros, não signatários dos acordos. Por isso, concluíram não haver legitimidade dos sindicatos em questão ou das categorias econômicas para transacionar sobre eles.

Embora as decisões tenham sido unânimes, alguns ministros registraram ressalva de entendimento, por entenderem que a discussão sobre o assunto está pendente de análise no STF. Eles se referiram às ADIs 7668 e 7693, ajuizadas, respectivamente, pela Federação Nacional das Empresas de Transportes de Valores e a Associação Brasileira das Empresas de Transportes de Valores. Ambas sob relatoria do ministro Gilmar Mendes.

A ADI 7693 ainda aguarda julgamento, mas na ADI 7668, Mendes não conheceu da ação, em decisão monocrática publicada em junho. O ministro entendeu que a requerente não detinha legitimidade ativa para iniciar o processo de controle normativo abstrato. Cabe recurso.

Especificidade do setor
advogada Paula Boschesi, associada e coordenadora da área trabalhista do Gasparini, Barbosa e Freire Advogados, que representa a Fort Knox no processo que está no TRT2, tem expectativa de que a decisão seja mantida pela Corte e pelo TST, caso eventualmente suba por recurso.

Boschesi afirma que, embora o TST tenha expressado posicionamento em sentido contrário ao analisar outros processos, o ramo em questão, a vigilância, tende a criar uma diferenciação. “Existe uma incompatibilidade. Se eu não posso expor um adolescente a uma situação de risco, como que eu vou colocar ele do lado de um vigilante?”, afirma a advogada, que ressalta que as regras para atuação na função exigem um limite mínimo de idade, além de formação em alguns cursos específicos e aprovação em exames.

Ela também argumenta que o depoimento da testemunha comprovou as dificuldades práticas envolvidas na controvérsia, como a negativa de instituições que intermediam as contratações devido ao caráter perigoso da função e o volume limitado de funcionários que exercem a atividade fim. “Nessas empresas, 95% das pessoas são vigilantes. Como vou contratar 50 aprendizes para ficar dentro do administrativo, que às vezes tem 20 funcionários? […] É isso que a empresa considera, justamente essa impossibilidade. Não é que ela se recusa a cumprir a cota, pelo contrário, sempre tenta e tem várias parcerias.”

O JOTA também entrou em contato com o MPT, mas até o momento não houve retorno.
Publicado em Jota